O Filho de Deus fez-se homem no seio de uma mulher! E Maria é a mulher na qual se realizou esse mistério. Na verdade, ela concebeu e deu à luz o Filho de Deus, Jesus Cristo. Jesus, o Filho que nasce de Maria, é o Filho de Deus feito homem. Sendo Ele verdadeiro Deus como o Pai e sendo uma única pessoa, Maria é, com toda a justiça, “Mãe de Deus”.
Hoje, oitavo dia do Natal e primeiro dia do Ano Novo, celebramos este mistério admirável:
a maternidade divina de Maria! Precisamos de silêncio e de recolhimento interiores para entrar neste mistério e nos maravilharmos com Ele:
Maria, uma simples mulher, desempenha esta missão tão divina!A maternidade divina de Maria não a isenta de todas as limitações e dificuldades humanas. A graça de Deus só por si não garante, automaticamente e como por magia, a compreensão de todos os mistérios divinos e a solução de todos os problemas humanos.
Os evangelhos mostram que Maria
nem sempre compreende o que se diz de Jesus nem o que Jesus lhe diz. Nessas circunstâncias, ela guarda as palavras e medita-as no seu coração. A graça de Deus ajuda-a na compreensão da verdade mas não dispensa o seu esforço humano.
Os evangelhos também registam
algumas das dificuldades que Maria enfrentou enquanto mãe de Jesus. Ela teve de fugir para o Egipto, juntamente com José, para salvar a vida do Filho, pois Herodes queria matá-lo. Experimentou a angústia da perda do Jesus, quando este decidiu ficar em Jerusalém sem nada lhe dizer. A graça de Deus não impediu que Maria tivesse de enfrentar estas e outras adversidades, mas deu-lhe a capacidade de as superar.
Maria viveu a sua maternidade divina na maior
simplicidade e humildade, segundo aquela atitude de serviço que assumiu, no momento da Anunciação, diante do Anjo:
Eis a escrava do Senhor”. É como serva, serva cheia da graça e do amor de Deus, que Maria vive a sua maternidade divina. Maria não deve ter partilhado com ninguém esta graça. Com muito probabilidade, durante a sua vida terrena, ninguém, para além de Jesus, considerou e honrou Maria como Mãe de Deus.
Mais tarde, a reflexão, feita a partir dos relatos evangélicos, sobre o mistério da Encarnação do Filho de Deus,
levou a Igreja, no Concílio de Éfeso (431), a apresentar como verdade de fé a maternidade divina de Maria. Agora, todo o povo cristão a invoca como a Santa Maria, Mãe de Deus, implorando a sua materna intercessão.
“Deus enviou o seu Filho … para nos tornar seus filhos adoptivos”. Deus, em Jesus, faz de nós seus filhos. Mais, envia ao nosso coração o seu Espírito, para nos capacitar a chamá-lo Pai. Graças á generosidade do seu amor, podemos, com toda a legitimidade, chamar a Deus: “Pai-Nosso”. Este facto mostra até que ponto Deus nos ama e como o seu amor atinge o mais íntimo e a totalidade do nosso ser.
Faz pensar que Deus queira ser nosso Pai e nos trate efectivamente como seu filhos!
Este pensar e meditar à luz da fé leva-nos a tomar consciência de que Deus é Pai de todos os homens e, consequentemente, todos os homens são nossos irmãos. Como é importante e necessário meditar, longa e profundamente, nesta verdade, tirando e assumindo todas as suas consequências.
O amor que Deus Pai partilha com todos os homens torna-os capazes de se amarem uns aos outros como irmãos!A fraternidade humana e só ela, quando entendida e vivida à luz do amor de Deus Pai, leva cada homem a reconhecer a igualdade de todos os outros homens e a respeitar os seus direitos. A fraternidade humana impele-nos a querer para os outros o que queremos para nós, motiva-nos a fazer aos outros o que queremos que eles nos façam, a tratá-los do mesmo modo que desejamos ser tratados por eles. Numa palavra, a fraternidade humana universal, que brota da comum filiação divina, é o único caminho que garante a justiça e a paz entre os homens.
Hoje, primeiro dia do Novo Ano, a Igreja convida-nos a
reflectir e a rezar pela paz. A paz é, antes de mais,
um dom, uma bênção de Deus. A bênção que os sacerdotes do Antigo testamento deviam dar ao povo incluía este voto:
“O Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz”.
Mas a paz na terra
exige também o esforço do homem. Jesus, no Sermão da Montanha, proclama:
“Felizes os construtores da paz (os pacificadores), porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). Os filhos de Deus, precisamente porque filhos de Deus, têm uma maior responsabilidade e uma capacidade acrescida na construção da paz.
Como dissemos antes, a nossa condição de filhos de Deus, quando tomada a sério, impele-nos e ajuda-nos a considerar os outros como iguais a nós, a amá-los e a respeitá-los, com a mesma dedicação e intensidade, como queremos ser respeitados e amados por eles.
O pior inimigo da paz (da convivência harmoniosa entre os homens) está no mais íntimo de nós e da forma mais entranhada: é o nosso egoísmo. O egoísmo leva-nos a considerar que:
somos mais importantes e temos mais direitos do que as outras pessoas;
a apropriar-nos do que não nos pertence e a não partilhar o que temos a mais;
a não reconhecer os nossos erros nem a perdoar a quem nos ofende;
o egoísmo cria preconceitos, fundamenta diferenças e justifica desigualdades;
cultiva as aparências, alimenta a inveja e fomenta a vaidade;
o egoísmo torna-nos cegos em relação às capacidades e qualidades dos outros e, por conseguinte, impede-nos de as apreciar e de beneficiar delas;
o egoísmo leva-nos a usar os outros para satisfazermos os nossos interesses e atingirmos os nossos objectivos. O egoísmo tem, por tudo isso, um potencial ilimitado de conflitualidade e de violência.
Ele está na base de todas as discórdias e guerras.
Neste dia, um pouco por toda a parte, proferem-se discursos ou fazem-se homilias sobre a paz, onde se apresentam as soluções ou remédios considerados necessários e eficazes para que a paz efectivamente aconteça. Com muita facilidade e frequência, os protagonistas dessas intervenções caem na tentação de indicar os remédios que os outros devem tomar, dispensando-se de fazerem o que está ao seu alcance e é sua obrigação, em razão dos lugares que ocupam e das funções que exercem. As suas belas palavras são, depois, desmentidas ou desacreditadas pelo tipo de vida que levam.
Falar da luta contra a pobreza como o caminho da paz e, ao mesmo tempo, viver e apresentar-se com o esplendor próprio dos ricos e como se fossem deuses, não bate muito certo com a lógica da humildade de Deus!
Defender a justiça, na base da igualdade de todos os homens e, depois, manter e defender tantas formas de desigualdade injustificável no seio da própria Igreja, não bate muito certo com a lógica da justiça de Deus!
Exortar os homens a abandonar todo o tipo de ódio e de inimizade, de ambição e competitividade desonesta, de rivalidade e inveja, e, depois, manter estruturas na Igreja que suportam e fomentam todas essas realidades negativas e perturbadoras das relações humanas, não bate bem com a lógica do amor de Deus!
As palavras e as sugestões têm o seu lugar, mas o mais importante é o que nós fazemos para que a paz aconteça na nossa vida e ao redor de nós. A nossa luta deve, pois, centrar-se no nosso egoísmo, atendendo a todas as suas manifestações.
O amor de Deus Pai é o único antídoto capaz de erradicar o vírus poderosíssimo do nosso egoísmo. Só este amor paterno de Deus, quando acolhido no nosso coração, nos capacita para amar aqueles que vivem connosco, amá-los como Ele os ama e quer ser amado neles. Só reconhecendo e respeitando os homens como filhos de Deus e nossos irmãos, seremos verdadeiros construtores da paz e, nessa mesma medida, mereceremos ser chamados filhos de Deus.