segunda-feira, março 14, 2011

"... mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus".

Depois de ter sido baptizado por João, Jesus, impelido pelo Espírito Santo, retira-se para o deserto, onde permanece quarenta dias. Durante esse longo período de silêncio e oração, sempre acompanhado pelo Espírito e em íntima comunhão com o Pai, Jesus prepara-se para a sua missão entre os homens.
Visitado e tentado pelo Demónio, Jesus repele categoricamente todas as suas propostas, proclamando claramente a superioridade da palavra de Deus sobre os bens materiais e a supremacia de Deus sobre a fama e o poder deste mundo.

Jesus não usa o seu poder divino para refutar e confundir o Demónio. A fome não lhe rouba a lucidez e a serenidade. Na verdade, embora podendo, Jesus não transforma as pedras em pão. Também não brinca com o poder divino, lançando-se do pináculo do templo abaixo. Muito menos se deixa seduzir pelo poder e o esplendor dos reinos deste mundo. Jesus não aceita nem cede aos desafios do Demónio. Não faz os milagres que este lhe pede para provar que é Filho de Deus. Se os tivesse realizado, Jesus teria caído na cilada e o Demónio teria saído vitorioso. Jesus sabe que é por outro caminho que deve mostrar aos homens a sua verdadeira identidade.

Nas três diferentes situações em que o Demónio O coloca, Jesus rebate-o sempre com passagens da Escritura, ou seja, responde-lhe e vence-o com a palavra de Deus. Agindo deste modo, Jesus mostra, por um lado, que conhece bem as Escrituras, e, por outro, que vive em perfeita sintonia com a vontade de Deus, que elas revelam. A comunhão com Deus e a fidelidade à sua Palavra explicam e tornam possível a vitória de Jesus sobre o Demónio e o mal que ele personifica.

As palavras com que Jesus responde ao Demónio podem servir de ponto de partida para a nossa vivência da Quaresma. Estas palavras, se meditadas no coração, ajudam-nos a descobrir qual a justa atitude que devemos assumir diante de Deus, bem como face às realidades humanas e às coisas deste mundo. E, nessa mesma medida, ajudam-nos a vencer as grandes e pequenas tentações da nossa vida.

Assim, apesar da pressa e da agitação em que vivemos, devemos, ao longo deste tempo da Quaresma, fazer deserto e silêncio interior, parar para escutar e meditar as palavras de Jesus, ou melhor, o próprio Jesus. Precisamos de tempo e de coragem para examinar e confrontar a nossa vida, sobretudo as nossas motivações, à luz das suas palavras.
 “Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”. Tentado e iludido, anestesiado e alienado pelo consumismo, o homem precisa de acordar para a sua dimensão espiritual e tomar consciência de que tem fome (necessidade) de Deus. O homem precisa de Deus, da palavra que sai da sua boca e do amor que jorra do seu coração. Sem este mais de Deus, ainda que usufrua de todo o bem-estar material, o homem acaba por se sentir existencialmente incompleto e insatisfeito.
“Não tentarás o Senhor teu Deus”. Tenta a Deus aquele que, por mero capricho, Lhe pede que faça algo de extraordinário e que não é de qualquer utilidade para ninguém. Depois, aquele que quer que Deus lhe faça o que ele, com o seu trabalho e as capacidades que tem, pode fazer. E ainda aquele que exige a Deus um determinado milagre como condição para acreditar nele. É muito forte a tentação do homem de pôr Deus à prova, de O submeter ou subordinar aos seus gostos e necessidades. Quem faz exigências deste tipo mostra que não acredita verdadeiramente nem está interessado em acreditar em Deus, mas procura apenas um pretexto para justificar a sua descrença. Ora, o que Deus revelou de si mesmo e fez em nosso favor por seu Filho Jesus Cristo é “o milagre extraordinário”, “a grande razão” – milagre e razão mais que suficientes – para que o homem acredite nele.

“Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele prestarás culto”. A ambição do poder, do mesmo modo que a ganância da riqueza, leva o homem a desviar o seu coração de Deus. O homem gosta de exercer domínio sobre os outros, de ser o centro de todas as atenções, ser reconhecido em vida e perpetuar o seu nome para além da morte. Quando cede a esta tentação, o homem sobrepõe-se ao seu semelhante e desvaloriza Deus. Mesmo que não O negue, o homem acaba por não adorar exclusivamente a Deus nem Lhe prestar o culto que Lhe é devido. Ora, Deus, por ser único e por ser o Deus do amor, merece que O adoremos só a Ele, e, além disso, só a Ele dediquemos o culto da nossa vontade e do nosso coração, o culto da vida e do amor, o culto “em espírito e em verdade”.

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