António José Oliveira Morais é o actual arcipreste de Gouveia e pároco de Gouveia, Folgosinho, Freixo da Serra, Melo e Nabais. Nasceu em Cativelos, a 12 de Fevereiro de 1941 e foi ordenado padre a 1 de Agosto de 1965.Faz parte da Comissão Diocesana de Música sacra e do Conselho Presbiteral e foi o Assistente Diocesano do Movimento Vida Ascendente.
A Guarda: Quem é António José Oliveira Morais?
António Morais: Quem sou eu para ser entrevistado? E ainda por cima para um jornal diocesano! Não sou nada. Há outros com melhores currículos do que eu, com melhores folhas de serviço, com mais sabedoria, com mais realizações e êxitos pastorais, com muito mais santidade. Por que há-de ser entrevistado um pobre padre normal que só diz coisas anormais? Tenho mesmo que responder?
Bom, sou uma pessoa normal, que nasceu em Cativelos a 12 de Fevereiro de 1941, filho de família pobre: o pai, inválido e chineleiro e a mãe com a mesma profissão do pai, mas com a tarefa de amanhar os poucos bocaditos de terra que possuíam e do qual tiravam o necessário para a alimentação. Sendo o mais velho de quatro irmãos – dois irmãos e duas imãs, entrou para o Seminário do Fundão em 1953 e ordenou-se a 1 de Agosto de 1965. O que sou como padre? Repito que sou um padre normalíssimo, com capacidades e incapacidades, luzes e sombras como os padres normais – os normais - porque há alguns que não são normais – que têm e fazem sempre muito mais que os normais. Mas é assim que eu sou e gosto de ser assim. Além do mais, é sabido que gosto de algumas coisas que podem parecer estranhas: música – continuo a estudar – pesca, montanha, folclore… Pois, Folclore. Trabalho com a Federação. Sei que sou criticado por causa disso. Não me causa abalo nenhum, porque quem critica não entende que é uma forma de me aproximar, primeiro da terra mãe e depois das pessoas. E sem terra mãe e sem pessoas é-se o quê? Além do mais, faz-se mais bem do que se pensa.
A Guarda: Que balanço faz da sua vida de Pároco?
António Morais: Com êxitos e fracassos, fui aprendendo que o essencial é semear. E isso faço insistentemente e em tudo onde meto a mão. Resultados da sementeira? Mesmo que me tenha custado, aprendi também que a colheita não será comigo. A mim compete semear e não colher. Não é fácil, mas é assim. Se me perguntarem se quero continuar a ser pároco, respondo que não me vejo como padre, sem ser pároco, nem que seja de uma só paróquia com meia dúzia de idosos, embora me dê gana, por vezes, de pegar na trouxa e ir embora, sobretudo quando se quer e ninguém responde. Está-se como presença que acolhe e serve. Posso nada mais fazer, mas isso faço. Aliás aprendi assim do Mestre.
Se voltasse ao princípio, mesmo com tudo o que de muito mau me aconteceu, recomeçaria, sem a menor hesitação.
A Guarda: Como vê o envolvimento dos leigos na vida da Paróquia?
António Morais: O envolvimento dos leigos é escasso. Há todo um peso de história passada do qual é muito difícil libertar as pessoas. O leigo que ouve, cala, não participa porque tem medo, o leigo agarrado a práticas do passado e que olha desconfiado para um modo novo de fazer as coisas, é o normal. É essencial que o leigo esteja envolvido nas paróquias. Sem eles não há pastoral que valha. Como eu os envolvi? Fortemente na Caritas, na Liturgia e na Catequese de Adultos. Começo a envolvê-los na preparação de Baptismos. Ajudo, estou atento, mas têm toda a liberdade. Ou são responsáveis ou não são. Considero isso essencial. Gostava de trabalhar mais com eles, mas torna-se cada vez mais difícil. O envolvimento na Catequese é mais difícil. Cada vez se torna mais difícil recrutar catequistas. Na Catequese de adultos, partilho o que sei e posso dar, sem pressões nem moralismos balofos. Aliás o que pretendo com a Catequese de adultos que iniciei antes de 2000, é que eles se tornem verdadeiramente adultos e livres como cristãos, que caminhem pelo seu pé, sem necessidade contínua de muletas. Não partilho de uma certa opinião que anda por aí veiculada: “O leigo, por si mesmo não tem capacidade de encontrar a verdade. Precisa ser dirigido”. Isto vem num livrinho que é dirigido a leigos e que se chama Caminho. Há também um grupo comprometido na Vida Ascendente, que faz também um trabalho interessante de catequese de adultos.
A Guarda: As Festas religiosas são, ou não, um momento importante na vida das paróquias?
António Morais: As festas religiosas são um momento falsamente importante na vida cristã das paróquias. Tudo se faz à sombra da “santa” ou do “santo”. Mas do santo só se faz caso na medida em que se pode usar para poder obter algum dinheiro dos festeiros e turistas que vão à festa, ou para através do “negócio” da promessa, obter dele(a), algum favor. Depois, não se quer saber mais dele. Com isto e outras coisas, por mais que se tente, não se consegue destruir o desvirtuamento da festa. Ou seja. O que na festa cristã é mais importante para o povo é a procissão – procissões. A missa até pode não existir, contanto que a procissão se faça. Depois as promessas. É muito difícil lutar contra a dispersão. A concentração na Eucaristia é de muito pouca gente. Muita da que lá vai é para cumprir promessas e não por convicção de fé, ou pela Eucaristia. A grande preocupação são os andores e a procissão. O resto pouco importa. A agravar a situação há a nova realidade da festa. Nas paróquias rurais, o que é diversão, não é tanto feito pelos habitantes da terra, mas pelos que vão de fora, o que vira tudo do avesso, até porque a diversão nada tem que ver com a tradição. É diversão importada e de muito pouca qualidade. No momento, cuido que as festas são os momentos mais difíceis da vida dos párocos.
A Guarda: Que análise faz sobre a falta de padres na Diocese da Guarda?
António Morais: Não é fácil responder. Eu vejo o problema com algumas interrogações: 1 - Que tipo de padre se quer para a Diocese? Um padre regressado ao ante-Vaticano II com ares de poder, prestígio, estranhos atafais e subserviências, ou um padre que se libertou da folhada inútil que só o afasta das pessoas e capaz de caminhar pelo seu pé, sem subserviências e aberto ao serviço, tal como Jesus Cristo o ensinou? Quando a seguir ao Vaticano II se mudou a equipa do Seminário, para que a nova equipa pudesse limpar os miasmas do mau pensamento e da má orientação que a equipa cessante lá deixara, o resultado foram 12 –(14) anos sem ordenações. Suspeito que com o que está a acontecer, venhamos a cair num novo interregno sem padres. O futuro dirá.
2- A falta de padres aflige e sobrecarrega os que ainda se vão aguentando, além de os esgotar, até porque se vão criando exigências novas a que se chamam novas formas de pastoral. São mesmo? Não creio, até porque elas não têm em conta a crescente desertificação das comunidades rurais.
3 – Talvez seja bom que ainda escasseiem mais os padres, para que as comunidades cristãs se convençam que têm mesmo que se assumir como comunidades verdadeiramente responsáveis e tomem conta de si mesmas.
Acho que não tem que se ter medo de que as rédeas nos fujam das mãos. É mesmo urgente que algumas rédeas nos fujam mesmo das mãos.
Fonte: A Guarda
A Guarda: Quem é António José Oliveira Morais?
António Morais: Quem sou eu para ser entrevistado? E ainda por cima para um jornal diocesano! Não sou nada. Há outros com melhores currículos do que eu, com melhores folhas de serviço, com mais sabedoria, com mais realizações e êxitos pastorais, com muito mais santidade. Por que há-de ser entrevistado um pobre padre normal que só diz coisas anormais? Tenho mesmo que responder?
Bom, sou uma pessoa normal, que nasceu em Cativelos a 12 de Fevereiro de 1941, filho de família pobre: o pai, inválido e chineleiro e a mãe com a mesma profissão do pai, mas com a tarefa de amanhar os poucos bocaditos de terra que possuíam e do qual tiravam o necessário para a alimentação. Sendo o mais velho de quatro irmãos – dois irmãos e duas imãs, entrou para o Seminário do Fundão em 1953 e ordenou-se a 1 de Agosto de 1965. O que sou como padre? Repito que sou um padre normalíssimo, com capacidades e incapacidades, luzes e sombras como os padres normais – os normais - porque há alguns que não são normais – que têm e fazem sempre muito mais que os normais. Mas é assim que eu sou e gosto de ser assim. Além do mais, é sabido que gosto de algumas coisas que podem parecer estranhas: música – continuo a estudar – pesca, montanha, folclore… Pois, Folclore. Trabalho com a Federação. Sei que sou criticado por causa disso. Não me causa abalo nenhum, porque quem critica não entende que é uma forma de me aproximar, primeiro da terra mãe e depois das pessoas. E sem terra mãe e sem pessoas é-se o quê? Além do mais, faz-se mais bem do que se pensa.
A Guarda: Que balanço faz da sua vida de Pároco?
António Morais: Com êxitos e fracassos, fui aprendendo que o essencial é semear. E isso faço insistentemente e em tudo onde meto a mão. Resultados da sementeira? Mesmo que me tenha custado, aprendi também que a colheita não será comigo. A mim compete semear e não colher. Não é fácil, mas é assim. Se me perguntarem se quero continuar a ser pároco, respondo que não me vejo como padre, sem ser pároco, nem que seja de uma só paróquia com meia dúzia de idosos, embora me dê gana, por vezes, de pegar na trouxa e ir embora, sobretudo quando se quer e ninguém responde. Está-se como presença que acolhe e serve. Posso nada mais fazer, mas isso faço. Aliás aprendi assim do Mestre.
Se voltasse ao princípio, mesmo com tudo o que de muito mau me aconteceu, recomeçaria, sem a menor hesitação.
A Guarda: Como vê o envolvimento dos leigos na vida da Paróquia?
António Morais: O envolvimento dos leigos é escasso. Há todo um peso de história passada do qual é muito difícil libertar as pessoas. O leigo que ouve, cala, não participa porque tem medo, o leigo agarrado a práticas do passado e que olha desconfiado para um modo novo de fazer as coisas, é o normal. É essencial que o leigo esteja envolvido nas paróquias. Sem eles não há pastoral que valha. Como eu os envolvi? Fortemente na Caritas, na Liturgia e na Catequese de Adultos. Começo a envolvê-los na preparação de Baptismos. Ajudo, estou atento, mas têm toda a liberdade. Ou são responsáveis ou não são. Considero isso essencial. Gostava de trabalhar mais com eles, mas torna-se cada vez mais difícil. O envolvimento na Catequese é mais difícil. Cada vez se torna mais difícil recrutar catequistas. Na Catequese de adultos, partilho o que sei e posso dar, sem pressões nem moralismos balofos. Aliás o que pretendo com a Catequese de adultos que iniciei antes de 2000, é que eles se tornem verdadeiramente adultos e livres como cristãos, que caminhem pelo seu pé, sem necessidade contínua de muletas. Não partilho de uma certa opinião que anda por aí veiculada: “O leigo, por si mesmo não tem capacidade de encontrar a verdade. Precisa ser dirigido”. Isto vem num livrinho que é dirigido a leigos e que se chama Caminho. Há também um grupo comprometido na Vida Ascendente, que faz também um trabalho interessante de catequese de adultos.
A Guarda: As Festas religiosas são, ou não, um momento importante na vida das paróquias?
António Morais: As festas religiosas são um momento falsamente importante na vida cristã das paróquias. Tudo se faz à sombra da “santa” ou do “santo”. Mas do santo só se faz caso na medida em que se pode usar para poder obter algum dinheiro dos festeiros e turistas que vão à festa, ou para através do “negócio” da promessa, obter dele(a), algum favor. Depois, não se quer saber mais dele. Com isto e outras coisas, por mais que se tente, não se consegue destruir o desvirtuamento da festa. Ou seja. O que na festa cristã é mais importante para o povo é a procissão – procissões. A missa até pode não existir, contanto que a procissão se faça. Depois as promessas. É muito difícil lutar contra a dispersão. A concentração na Eucaristia é de muito pouca gente. Muita da que lá vai é para cumprir promessas e não por convicção de fé, ou pela Eucaristia. A grande preocupação são os andores e a procissão. O resto pouco importa. A agravar a situação há a nova realidade da festa. Nas paróquias rurais, o que é diversão, não é tanto feito pelos habitantes da terra, mas pelos que vão de fora, o que vira tudo do avesso, até porque a diversão nada tem que ver com a tradição. É diversão importada e de muito pouca qualidade. No momento, cuido que as festas são os momentos mais difíceis da vida dos párocos.
A Guarda: Que análise faz sobre a falta de padres na Diocese da Guarda?
António Morais: Não é fácil responder. Eu vejo o problema com algumas interrogações: 1 - Que tipo de padre se quer para a Diocese? Um padre regressado ao ante-Vaticano II com ares de poder, prestígio, estranhos atafais e subserviências, ou um padre que se libertou da folhada inútil que só o afasta das pessoas e capaz de caminhar pelo seu pé, sem subserviências e aberto ao serviço, tal como Jesus Cristo o ensinou? Quando a seguir ao Vaticano II se mudou a equipa do Seminário, para que a nova equipa pudesse limpar os miasmas do mau pensamento e da má orientação que a equipa cessante lá deixara, o resultado foram 12 –(14) anos sem ordenações. Suspeito que com o que está a acontecer, venhamos a cair num novo interregno sem padres. O futuro dirá.
2- A falta de padres aflige e sobrecarrega os que ainda se vão aguentando, além de os esgotar, até porque se vão criando exigências novas a que se chamam novas formas de pastoral. São mesmo? Não creio, até porque elas não têm em conta a crescente desertificação das comunidades rurais.
3 – Talvez seja bom que ainda escasseiem mais os padres, para que as comunidades cristãs se convençam que têm mesmo que se assumir como comunidades verdadeiramente responsáveis e tomem conta de si mesmas.
Acho que não tem que se ter medo de que as rédeas nos fujam das mãos. É mesmo urgente que algumas rédeas nos fujam mesmo das mãos.
Fonte: A Guarda
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